segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cultura

Sou jovem e conservador
É comum e a ciência explica: muitos jovens são conservadores, ampliam a visão para além do atual e buscam, no comportamento, valores sólidos, quase extintos na modernidade

Millôr Fernandes tinha razão quanto escreveu que o passado é, na verdade, um futuro usado. Quem vê o cabelo Black Power de longe, vestindo saias rodadas, camisas xadrez, bijuterias com metais envelhecidos e temáticas retrô, surpreende-se com o sorriso maroto e juvenil que a estudante Sandra Cecília revela em uma conversa.

Não, não se trata de nenhuma vovó, embora seja fácil encontrar livros, discos e objetos com aquele cheirinho de naftalina, no quarto que a jovem deixou em Anápolis para viver ao lado do marido, Manoel Caetano. Além do amor matrimonial, responsável pela mudança de sua cidade natal para Brasília, a goiana mantém uma paixão correspondida por um brechó de esquina, o Bellas Artes, localizado perto de casa, em Taguatinga Norte. O afeto é recíproco graças à atenção dedicada pelo proprietário da loja, Luciano, que sempre dá aquele jeitinho de avisá-la quando as peças mais boicotadas pelos moderninhos, caem de para-quedas no estabelecimento.

Apesar de a moda vintage ser sensação nas vitrines e no universo fashion, a Sandrinha, como é conhecida pela maioria dos amigos, garante que o estilo faz parte da sua personalidade. “É minha identidade cultural. Eu tento passar aos olhos alheios o que eu sou, de coração. Seja através da moda, do corte de cabelo ou de ações cotidianas. No que se refere ao modo como me visto, nem sempre é uma opção barata. O que leva as pessoas a garimparem roupas em brechós é o corte, a mensagem que ela passa, além da incontestável qualidade dos produtos de grife, que se tornam mais acessíveis por serem antigos e usados”, conta.

Quando o assunto é música, vale à pena escolher a dedo o lugar para passar a noite e ouvir um som, afinal, não são todas as canções que conquistam uma faixa no gosto de Sandra. Sertanejo universitário, remixes de balada e hits de Michel Teló e companhia, por exemplo, não têm vez. “Quando eu era pequena, minha mãe cantava pra mim. Eu sempre pedia A Banda, de Chico Buarque. Hoje, além do Chico, ouço bastante Adoniram Barbosa, Cartola e um Old Rock como a galera de Woodstock, Janis, Led Zepellin, The Doors, Jethro Tull, Hendrix e The Beatles. As bandas atuais que ouço também têm muita influencia desses mestres consagrados”.

A dois

Os bons tempos, que para a Sandrinha são uma inspiração na hora de adquirir roupas ou CDs, ganham outro sentido no comportamento e nas escolhas feitas pelo casal Narlla Sales e Camilo Bessoni. Do primeiro beijo, conquistado em 21 de abril de 2008, ao último encontro, passaram-se mais de quatro anos. “E se me perguntassem qual foi o melhor beijo, provavelmente diria que o mais recente. O de ontem”, declara a estudante Narla Salles, de 26 anos.

Tudo começou quando a Narlla, conheceu o matemático na Comunidade Católica Shalom. Os dois ficaram amigos, o sentimento cresceu e ganhou força no coração dos pombinhos. Mesmo ciente que uma longa viagem o esperava, Camilo tomou coragem, reuniu os pais da moça e deu início ao namoro com o consentimento da família.  Alguns dias depois, o brasiliense embarcou rumo à Inglaterra para uma cumprir uma missão religiosa.  “Ele largou tudo. Mesmo apaixonado por mim e esperando ser chamado em três concursos, atendeu o chamado de Deus e foi”.   Camilo esperou Narlla e ela contou os minutos para que ele estivesse de volta. Dois anos mais tarde, o brasiliense retornou ao país e o casal pode dar continuidade a uma trajetória, bem diferente das histórias de amor convencionais. Eles vivem a experiência da castidade e acreditam que o sexo, divino, deve vir depois do casamento.

 “Tenho 26 anos e sou virgem. É claro, tenho vontades, sou humana. Mas eu descobri que o sexo é um dom de Deus e que eu só me realizarei se eu fizer com responsabilidade. Essa é sim uma questão de ser certinha”. Ela conta que visitou o namorado durante o período que ele esteve do fora e, mesmo assim, os conhecidos colocavam em xeque a relação do casal. “Muita gente me perguntava como eu estava aguentando ficar só, sem pegar ninguém”, lembra.

Herança ou resgate de valores?

Há os que acreditam que o saudosismo de Sandra e o comportamento conservador de Narlla são herança dos pais.  A psicóloga e especialista em Desenvolvimento Humano Maria Cláudia Oliveira, explica que a relação entre o comportamento não é, necessariamente, um espelho de experiências vividas dentro de casa. “Existe uma tendência de o adolescente ampliar o foco de visão para além da família”, observa.

Os dois trocam as boates e cervejas geladas por vinho, cinema, café e experiências gastronômicas. “Não gosto de lugares onde percebo que a dignidade humana está sendo banalizada, não me sinto bem”, revela.

Para Maria Claudia, o conservadorismo que os jovens assumem em pleno século XXI pode ser notado em outros momentos da história.  “A sociedade tem se transformado de maneira muito veloz. Períodos conturbados, como o atual, acabam criando uma atmosfera de instabilidade, insegurança e incertezas. O jovem, que está em um processo de construção da identidade, pode sentir falta de valores mais sólidos e buscá-los em uma conduta mais conservadora”, explica.

De direita, quem diria

Quem conheceu o jovem Felipe Melo, de 26 anos, na época em que frequentava a sede do Partido Trabalhista, não podia imaginar que, hoje, ele seria um dos principais defensores da direita na Universidade de Brasília. Na descrição do blog Juventude Conservadora, que alimenta há dois anos, o graduando em administração escreve: “Somos jovens universitários nadando contra a maré vermelha dentro da UnB. Temos valores. Temos princípios. Sim, somos conservadores”.

A reviravolta de ideologias aconteceu aos 21 anos. “Vi que eu não tinha uma formação política ampla. No PT, eles falavam muito de dialética, mas não atuavam. Não havia confronto de decisões. Alguns defendiam a luta em favor do proletariado e, fora dali, assumiam um comportamento consumista, por exemplo. Comecei a pesquisar até encontrar um porto de ideias políticas que faziam mais jus aos meus valores.”, esclarece.

Felipe integrou a Aliança pela Liberdade, grupo que venceu a hegemonia da esquerda e fez história nas eleições do ano passado para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB. “Deixei o grupo após as eleições. Primeiro, porque estava desanimado no que se refere à atuação estudantil na UnB. Na época, também precisava focar nos estudos e essa reforma iria demandar muito tempo. Segundo, eu estava começando a fazer contatos partidários e a aliança não queria se envolver com isso”.

A crença e a luta pela liberdade individual, soberania do individuo, propriedade privada e principio da subsidiariedade não o transformou em um idealista isolado. “Já ouvi dizer que essa foi a pior coisa que poderia ter acontecido comigo, mas a maioria das pessoas age naturalmente. Eu sou conservador e isso não quer dizer que sou moralista, aponto o dedo e acho que mundo deve ser igual a mim”, conta Felipe. Especialista no assunto, Maria Cláudia conta que o comportamento não deve influenciar, de forma negativa, o relacionamento e a convivência entre os jovens. “Penso em uma sociedade que, se não é, deveria ser plural. Quando existe uma relação entre identidade e auteridade, fica tudo bem”, reflete.

Por: Ranyelle Andrade

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